Certamente, você já deve ter ouvido falar dos ciganos, que são as pessoas que se enfeitam e dançam ao redor da fogueira, jogam baralho e leem as mãos de demais pessoas para prever seu futuro, certo? Errado.
Assim como diversos outros povos ao redor do mundo, o povo cigano também sofre com os estereótipos criados e direcionados a ele.
Isso se deve, principalmente, à disseminação da religião católica e à perseguição por qualquer um que fosse diferente ou pensasse diferente, durante o período da Inquisição, nos séculos finais da Idade Média. Sim, carregamos preconceitos enraizados pelo menos há 8 séculos.
O povo cigano, no entanto, possui características que vão muito além de dançar em volta da fogueira ou jogar com oráculos para adivinhar o futuro de alguém.
A origem da cultura cigana
Antigamente, dizia-se que sua origem era incerta. Isso acontecia principalmente pelo fato de os ciganos terem sido por séculos um povo de cultura ágrafa, ou seja, um povo que não escrevia suas histórias, passando-as de geração a geração somente pela tradição oral.
Além disso, culturalmente, os ciganos têm uma tradição de não reviver o passado. Quando alguém do seu clã morre, o costume é desfazer-se dos pertences dessa pessoa, queimando tudo: fotos, roupas, objetos pessoais...
Dessa forma, suas histórias acabam junto com os mais velhos, o que gera essa falta de informações confiáveis. Os únicos registros históricos oficiais de que se tem notícia são os feitos por não ciganos com um viés etnocêntrico, preconceituoso e extremamente estereotipado. Veja só, no século XVIII, historiadores que percorreram a Europa diziam que os ciganos eram uma cultura antropófaga.
Hoje, graças a um estudo genético realizado no fim do século XX, sabe-se a principal origem do povo cigano. Foram coletados dados genéticos de 152 ciganos entre 13 grupos diferentes da Europa e constatou-se que sua origem é a região de Punjab, na Índia, datada do ano de 500 d.C. Ao longo dos séculos, o povo, também chamado de Romani, foi migrando pela Ásia e Oriente Médio, entrando na Europa pela Bulgária e dispersando-se oficialmente pelos Bálcãs no ano de 1100.
Estima-se, hoje, que sejam cerca de 5 milhões de Romani em seus grupos e subgrupos espalhados pelo mundo, sobrevivendo cada um com seu dialeto, sua cultura e seu estilo de vida.
Características principais
Os ciganos vivem ao redor do mundo agrupados em diversas comunidades. Cada comunidade tem sua especificidade, seus costumes e seu modo de vida, os quais variam, já que estão geograficamente dispersas e socialmente isoladas.
A principal característica geral que define os ciganos é a questão do valor moral. Ou seja, o comportamento dos ciganos e o que eles geram dentro de sua comunidade: vergonha ou ventura e honradez. Essas são sempre as principais balizas.
A família é a unidade mais importante dentro de uma comunidade cigana. A liderança é um ponto fundamental dentro de cada unidade, sendo definida normalmente pelo homem mais velho, que pode ser um pai, um tio, um avô ou mesmo um filho que teve algum destaque e tornou-se bem-sucedido.
Para resoluções de conflitos internos, algumas comunidades têm instituído um tribunal oficial, com procedimentos rigorosos transmitidos oralmente de geração a geração. Ele existe basicamente para mediar confusões mais sérias entre famílias, já que as diferenças são normalmente resolvidas entre chefes de família e raramente levadas ao tribunal.
No Brasil
No Brasil, há três grupos étnicos dentro do povo cigano: os Calon, os Roma e os Sinti.
Calon
Os Calon vieram principalmente da Turquia, da Grécia, da Espanha e de Portugal. Foram os primeiros ciganos a chegarem no Brasil em meados do século XVI, com todos os que foram degredados de Portugal. Eles vieram para o Brasil em navios da frota dos colonizadores e exploradores portugueses.
Atualmente e em sua maioria, eles vivem em áreas de pouso ou acampamento situadas em periferias, estrategicamente posicionados perto de ferrovias e estação de metrô. Isso garante que as atividades exercidas pelos homens e pelas mulheres no comércio sejam valorizadas.
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Os homens acabam trabalhando mais no comércio informal, oferecendo compra e venda de ferramentas ou mesmo a troca de mercadorias diversas. Para as mulheres, a atividade principal é a leitura das mãos, um saber passado de geração a geração.
Esse é o modo de vida mais urbano, mas também existem acampamentos e pousos rurais, nos quais esse povo cria porcos, galinhas e cavalos.
Roma
Os Roma são muitos, de origem história e geográfica muito distintas. São denominados Manush e as informações são variadas sobre eles, o que dificulta a existência de dados precisos. Sendo assim, a etnicidade dos Roma tem muitas influências, principalmente de regiões que passaram antes de chegarem ao Brasil. Além disso, os Roma têm origem predominante dos países balcânicos do leste europeu e, a partir do século XXI, migraram para outros países da Europa e das Américas, chegando ao Brasil. Eles formam uma sociedade à parte, tem seus próprios códigos de conduta e sua ética. As pessoas adotam muitos nomes e é comum serem batizados muitas vezes.
Sinti
Os Sinti chegaram à Alemanha e à Áustria durante a Idade Média. A principal característica deles é levar muito a sério o papel da família para o desenvolvimento do indivíduo. Para eles, a família tem o papel de pátria e é a responsável pela educação, pela defesa física e espiritual e pelas relações econômicas de um indivíduo. É a rede social primária que organiza todas as outras relações.
Uma curiosidade sobre os Sinti é que eles têm dois nomes: um com o qual eles se comunicam dentro da comunidade e outro que serve para as relações com os não ciganos de fora dela.
É importante ressaltar que, apesar de essas três etnias serem as mais comuns no Brasil, todas fazem parte de uma identidade maior que é a dos ciganos, dos Romani. O que resiste é essa memória coletiva e o modo de ver o mundo como um grande companheiro de viagem.
Resistência
Apesar de serem perseguidos durante séculos, principalmente na Idade Média pela Santa Inquisição e durante o nazismo na Alemanha do meio do século XX, os Romani permaneceram influenciando culturas com seu modo de vida, sua música e seus costumes.
Na Espanha, a música flamenca é uma das principais características culturais que sofreu influência dos Romani, com seu jeito de ser tocada e dançada e com suas inflexões melódicas que garantem grande carga de dramaticidade.
Os ciganos são um povo nômade, pois viajam e se estabelecem temporariamente em alguns lugares, incorporando hábitos das culturas locais.
Eles não têm uma religião específica oficial, apesar de terem seu próprio sistema de crenças e princípios que varia de acordo com a comunidade.
Alguns povos adotavam a religião do território pelo qual passavam. Existem ciganos católicos, ortodoxos, evangélicos, espíritas, muçulmanos. Alguns ciganos católicos, inclusive, têm grande devoção a Santa Sara Kali, cuja história diz que foi uma moça amparada por ciganos no Sul da França.
Existem muitas variações de crenças e costumes dentro dos Romani, mas todos fazem parte da mesma origem. Por isso é sempre importante olhar para os povos de culturas diferentes com carinho e com respeito. É por causa de histórias mal contadas ao longo dos séculos que o povo cigano ainda é visto sob olhares preconceituosos e estereotipados.
Os ciganos são parte de uma cultura cheia de particularidades fantásticas que merece ser exaltada por continuar resistindo mesmo depois de tantas perseguições severas e sem que eles tivessem sua memória registrada.
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