Estamos em um salão que parece ser de uma igreja, e nele, dentro de um círculo de sangue, estavam duas pessoas peladas, uma boa e outra má. A boa estava suja e rastejante, a má em pé. Toda vez que a boa tentava sair do círculo rastejando, a má ia lá andando calmamente e a puxava pelos ombros trazendo-a de volta para dentro do círculo fechando o mesmo com mais sangue novo.
“Ele” e “eu” estávamos assistindo a cena. Eu estava nua com uma espécie de curativo nos ombros. Ele tentava me cobrir com um manto, como se fosse para que os outros não vissem, mas eu recusava dizendo que estava calor. Segundo ele, parecia que eu estava gostando de ver a cena.
Ainda segundo ele, fomos parar neste local porque o convidei para assistir a uma peça de oito horas seguidas, ou seja, que teria um tempo determinado para acontecer e terminar.
Ficamos paralisados assistindo a cena, sem nada conseguirmos fazer para ajudar a pessoa boa. Por fim, ele conseguiu colocar a pessoa boa para fora, e então a pessoa má virou pó. Na sequência, saem os curativos e volto ao normal ficando bem.
A pessoa que contou sobre este sonho estava passando por um relacionamento onde se encontrava emocionalmente sequestrada. De acordo com a mesma, seu parceiro funcionava como uma espécie de predador, do tipo que não sossega enquanto não roubar por completo a alma da parceria afetiva.
Via de regra, todo sonho lembrado sempre quer revelar algo de muito importante para nós. Neste sonho específico, situações simbólicas evidenciam um pano de fundo onde o “bem e o mal” aparecem em um duelo de morte. O parceiro foi quem teve o sonho na noite em que ela havia decidido de vez sair da relação.
O sonhador revela que havia um clima sexual intenso em todo o período de tempo do sonho e, embora aturdido com o mesmo e sem entendê-lo, chega a comentar que tinha a impressão de que ali havia algo como se fosse um recado para ambos.
Impressões sobre o sonho:
Toda a simbologia da relação resume-se neste sonho. Ao que parece ambos estão na representação do bem e do mal. O mal, porém, está escandalosamente acoplado na figura masculina, que em um lapso de lucidez resgata a moça de dentro do círculo de sangue. Esta ação também salva a parceira que estava do lado de fora do circulo, posto que os curativos dela se desmaterializam no momento do resgate.
A vítima, enquanto na posição de presa, rastejante e moribunda, mesmo que todas as suas tentativas são sabotadas pelo carcereiro, a todo custo tenta escapar. O interessante da quase hipnótica cena, é o clima sexual e de sedução que paira no ar, um clima em que o perigo e o prazer caminham abraçados. Por conta desta trama, o casal permanece paralisado assistindo a cena do círculo de sangue.
Aqui também temos a representação do aspecto masculino querendo a todo custo sugar o feminino, uma delicada estória, talvez de um complexo de édipo mal resolvido, onde a simbiose e a fusão ficam sendo a nota do ataque desmedido.
Durante a sessão terapêutica, a paciente percebe que a prisão no círculo de sangue seria aparentemente muito fácil de transpor, porque não existia grade ou limite real, apenas uma marca no chão. Mas o aprisionamento estava no psicológico, no medo. E o fato de o algoz virar pó apenas mostrou que ele e que estes tipos de predadores dependem de escravizar para existir. Sem as suas vítimas sob encantamento, o agressor deixa literalmente de existir.
Sonhos depois de compartilhados, passam a ser de todos. Depois de tomar conhecimento do mesmo e de trabalhar o tema em sessão terapêutica, a paciente conseguiu manter sua mente clara sobre o que de fato estaria acontecendo em sua relação e teve firmeza para resistir a todas as investidas de clausura emocional do até então pacto afetivo.
No final, a paciente ainda conta que achou a simbologia do sonho muito macabra e sombria, como se tratasse de um ritual, um feitiço, uma bruxaria e que tudo pareceu ser muito demoníaco. Será? E se assim for, nada como a lucidez! O quanto mais conscientes formos nos nossos sonhos e fora deles, mais autonomia sobre nossas vidas e mais a possibilidade de escolhas sadias.