A segunda parte de O Senhor dos Anéis começa com a Sociedade separada. Temos três narrativas ocorrendo ao mesmo tempo, por isso, vou dividir a analise em três partes.
Na primeira Aragorn, com o elfo Legolas e o anão Gimli vão ao resgate de Merry e Pippin, onde reencontram o Mago Gandalf agora como Mago Branco. Logo após os três seguem para Rohan, o único reino dos humanos livres, cujo rei está dominado por Sauron.
Como citei no texto do primeiro filme, Aragorn é o novo rei, e deve substituir o antigo rei trazendo a renovação para a consciência. Com Aragorn, os elementos separados da psique representados pelas outras criaturas (elfos, anões, hobbits) poderão se reunir criando uma totalidade.
Se observarmos a situação da consciência coletiva, veremos que ela está pautada pelo princípio masculino, pelo Logos, faltando um elemento de Eros, representado pelo feminino. O rei de Rohan, Théoden, não tem uma rainha. Há apenas uma sobrinha, pela qual Aragorn desenvolverá interesse.
Quando a consciência se identifica com o Logos de forma unilateral, a busca pelo poder (representado aqui pelo anel) e as disputas recorrentes disso, anulam o principio de Eros, o Amor. Pois Amor e Poder formam um par de opostos. Onde há Poder não há Amor.
Essa deterioração da consciência coletiva humana é simbolizada pelo reino de Gondor e no filme anterior por Boromir, que sucumbe diante da força do poder do anel. É por isso que em As Duas Torres, o anel procura retornar às mãos humanas, que facilmente sucumbem ao poder, uma vez que o aspecto Eros está ausente e renegado. E sem esse aspecto ocorre uma degeneração moral e ética. Os valores são esquecidos.
Aragorn, além de lutar contra Sauron e seu exercito para se tornar rei, vive um conflito, uma escolha entre duas mulheres. Ele fica entre Arween, seu amor imortal e Éowyn a sobrinha do rei. Arween é uma imagem arquetípica, uma elfa de rara beleza e imortal. Se interpretarmos Arween como a anima de Aragorn, veremos que ela quer se expressar e fazer parte de seu mundo humano, abrindo mão de seu povo. Isso em parte é real, pois ela o inspira, ela o leva a realizar atos corajosos e a lutar, por ela. O feminino é a fonte de inspiração e o desejo manifesto do homem. Mas fazer parte do mundo humano a mutilará. Assim como A Pequena Sereia no conto de Hans Christian Andersen, a anima quando é literalizada pode ser mutilada e até morta. A anima pode se manifestar no mundo humano por meio da projeção em uma mulher.
E esse é o drama de Aragorn. A quem ele deve ser fiel? A quem ele dará seu coração?
Esse dilema se assemelha ao trunfo do Tarô Os Enamorados, que mostra um homem entre duas mulheres sendo forçado a fazer uma escolha.
Portanto Aragorn, através desse dilema tão humano entre a alma e a carne, será o responsável por integrar o princípio feminino na consciência coletiva.
Do ponto de vista de Arween, ela é uma heroína. E as heroínas nos contos de fadas são um pouco diferentes dos heróis. Sua trajetória não é focada na ação. Elas não enfrentam monstros, não matam dragões. Elas devem por vezes esperar e suportar o sofrimento. Ou fazem atividades onde desenvolvem sua feminilidade como tecer, fiar e bordar (vide contos como Rumpelstilsequim e Os Cisnes Selvagens).
A desvalorização do feminino também está representada pela destruição da natureza, A Mãe Terra, a qual Saruman destrói sem piedade para a confecção de artefatos de guerra. Esse princípio feminino, da Mãe Terra, também se encontra aqui simbolizado pelos Hobbits. Os Hobbits são simplórios e ligados à natureza e eram até então esquecidos pelos demais reinos.
E são justamente dois Hobbits, Merry e Pippin, que em outra jornada fazem mais um resgate de conscientização dos problemas da natureza. E eles fazem isso dentro da Floresta de Fangorn, onde encontram o Ent Barbárvore. Os Ents são árvores antigas e sábias. Símbolos do feminino representam a ancestralidade da Terra.
Merry e Pippin fazem com que eles entrem na luta e reclamem novamente o respeito e seu lugar de direito. Por essa razão, podemos compreender porque o inconsciente elegeu um Hobbit como herói nessa jornada.
Na terceira aventura, temos Frodo e Sam indo em direção a Mordor, quando encontram Gollum (que descobrimos que se chama Smeagol). Frodo subjuga a criatura transformando-o em seu guia.
Lembrando que Frodo é o herói arquetípico. Ele é o ego ideal que segue as determinações do inconsciente, sendo o responsável por restabelecer o equilíbrio e a situação sadia à consciência.
E nessa parte de sua história o herói enfrenta seu lado sombrio representado por Smeagol. Frodo começa a sentir os efeitos do anel. Seu poder tentador pode levá-lo a perigosa identificação com os aspectos sombrios do Self.
Esse ponto da ação é extremante delicado, pois Frodo desenvolve um complexo de mártir em relação à Smeagol, inclusive ignorando os avisos de seu amigo Sam. Ele começa a se ver em Smeagol que é um Hobbit que sucumbiu ao lado sombra.
A piedade quando em demasia pode ser extremamente destrutiva e causar mais mal do que bem, inclusive porque tira o herói do seu foco. Isso lembra a máxima que diz “de boas intenções o inferno está cheio”.
Esse problema da piedade já foi inclusive registrado na Mitologia. Em Eros e Psique, a heroína quando desce ao mundo de Hades é aconselhada a não se compadecer de ninguém correndo o risco de ficar presa pela eternidade no mundo dos mortos.
Mas Frodo possui um amigo leal, Sam. Sam é aquele que impulsiona, critica e o salva de enrascadas. Geralmente nos contos o herói tem um amigo leal, que por vezes é representado por um animal. Esse amigo pode ser comparado com a função auxiliar que assume o comando do ego quando a função principal se desgasta.
Nesse ponto o herói já sabe que terá de fazer um sacrifício. Que irá morrer. Isso significa que o ego sente como morte a perda de seu controle. Abrir mão do controle em prol de algo maior é humilhante para o ego e isso herói mostra com seus medos.
Para finalizar o texto, a guerra pela Terra Média se inicia e o desenrolar e desfecho da ação dependerá de nosso herói e da ajuda essencial de seu leal amigo. Mas isso veremos no próximo texto.
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