A vida é como os cães: ela fareja você. Ela sente o que você sente. Ela te manda o que você pede. Ela não inventa as normas, só as segue. As normas são inventadas por você mesmo, nas profundezas do seu inconsciente. Ela não manda em nada, nadinha do que você já acredita ou tem, guardado, dentro de você.
Essa é a famosa terceira ferida narcísica da humanidade. Primeiro, achamos que o Sol girava ao nosso redor, que éramos o centro do Universo, e não é bem assim. Nós é que, pequenos e insignificantes, giramos ao redor dele. Depois, descobrimos, a contragosto, que descendemos do macaco. Sim, aquele animal do circo, “insignificante”. Não viemos de um homem e uma mulher perfeitos, à imagem e semelhança de Deus, viemos dos bichos mesmo. A terceira é quando descobrimos que, na verdade, somos guiados pelo nosso inconsciente. Não temos tanto controle assim sobre nós mesmos e, sim, precisamos escarafunchar as coisas a fundo para entender porque agimos como agimos.
E foi pensando nisso tudo que estranhei uma sequência de sonhos com tornados e tempestades. Morri em quatro deles. Queimada, caindo num buraco aberto por um tornado, depois de uma tempestade escura e até caindo de um elevador, onde eu via o meu corpo e meu pai tentando me ressuscitar.
O vento é coisa de Iansã, pensei. Aquele orixá maravilhoso, dos ventos, tempestades e mudanças. Mudanças trazidas por fenômenos da natureza, algo meu, lá íntimo, que está clamando por transformações. Mas, ao mesmo tempo, as tempestades sempre me assustaram e, por muito anos, me vi descendo correndo as escadas do prédio em que morava para me esquivar dos ventos insanos das tempestades de verão.
Medo. De mudar. Das consequências que as mudanças, internas e depois externas, trazem nas nossas vidas.
Quando somos crianças, é tudo uma novidade. E elas continuam até o final da adolescência, quando entram numa calmaria fresca. Eu sempre me achei “a que” curtia uma mudança. Mas, depois da sequência de sonhos, de Iansã e de mais meia dúzia de recados, descobri: estou morrendo de medo.
Nem sei de que mudanças “ele” (meu inconsciente) está falando, mas sei que ele anda bem nervoso. Não está curtindo nada esse papo de resistência e quer logo acabar com isso. Me gera ansiedade, me faz comer mais um chocolate e mais um pedaço de bolo. Faz com que eu compre cigarros que eu não via há muitos anos. Até o momento em que, caindo de novo de um elevador e ficando pendurada (como a carta “o enforcado”), eu me toco: estou na zona de conforto. Preciso de mudanças. Urgentes e definitivas.
As mudanças te levam para onde você precisa ir. São sempre invariavelmente desconfortáveis, mas sempre benéficas. Sempre? Sempre. Mudanças ensinam muito e, se você souber usá-las, vão estar com você, a seu favor. Se resistir, tudo vai persistir, como diria Jung.
Ainda não sei, não consigo entender quais são as mudanças necessárias na minha vida. Mas já deixei claro que, sim, aceito. Aceito, me perdoo por ter ficado tanto tempo estagnada. Aceito que a vida me quer andando, na grande roda, e não parada achando que tudo é para ficar assim. Algumas mudanças são óbvias, outras bem mais complicadas e escondidas. O importante é que nos desafiemos a olhar nos olhos delas e abraçá-las. Entender que os ventos vão bater independente da sua vontade e que, sim, é sempre tempo de transformações. Aos 12, aos 20, aos 60. O importante é estar aberto.
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