Eram tempos difíceis aqueles.
Os olhares nos cercavam, nos prendiam em seus horrores e medos, com invisíveis ameaças de perseguição e fogueiras.
Tudo era negro e coberto por uma neblina úmida e fria que insistia em cair todas as vezes que os homens levantavam suas vozes – que pareciam rugir como leões ou trovões – proclamando mais uma sentença.
Condenação sem chance de defesa. Um perdão que não necessitávamos, mas que também sabíamos: nunca viria.
Apenas nossa pequena aldeia, escondida nas névoas, ainda resistia. Conservava ainda a beleza dos primeiros séculos, onde não havia a necessidade de se cobrir, o conhecimento e a sabedoria das mulheres.
Elas eram as guardiãs e as geradoras de vida. Possuíam o dom da cura, do manejo delicado da terra. Olhavam as estrelas, a lua, e previam a melhor época do plantio das sementes. Respeitavam o descanso do solo depois de cada colheita, assim como se respeita o repouso de uma mãe que acabou de parir.
Nossas mulheres eram as melhores amantes, sabiam tocar o homem em sua rudeza e força, os desarmavam de suas espadas e lanças, e em suas camas eram apenas meninos, descobrindo todos os sentidos, porque elas os guiavam por caminhos que apenas elas conheciam.
Entendiam da beleza de cada transformação e o poder da natureza, a “grande mãe”.
Juntavam água e erva, e levavam a cura para homens, mulheres, crianças, animais. Sabiam que tudo fazia parte de um mesmo universo, tudo era ligado, o céu e a terra, tudo um ciclo, uma roda girando.
Também eu fui uma dessas mulheres. Mas fui traída. Entregue pelo homem a quem amei. Julgada, condenada, morta. Cinzas! E agora, liberta dos medos e horrores, viajo pelo espaço, através de brisas e ventos. Atravesso tempos.
Voltei ao início. Hoje sou terra e novamente dou vida.
Transformação! Alquimia!
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