Durante uma grande enchente, um sapo estava na beira do rio ainda decidindo qual o melhor lugar da margem para atravessar do lado esquerdo para a margem direita. Saltitava de uma pedra para a outra olhando para todos os lados firmemente, e com todo treino, agilidade e “certa sabedoria”, conseguia, quase que bailando, ir adentrando as águas rápidas do rio que já transbordava.
Quando estava a ponto de pular para próxima pedra, que o levaria já ao meio do rio, ouviu uma voz chamá-lo tão baixinho que teve dificuldade para localizar de onde e quem era que estava chamando por ele. Para que seria este chamamento em meio a tanta chuva e águas rápidas do rio? Que mesmo para ele, um sapo já vivido, estava colocando toda a sua agilidade e prática à prova.
Por um bom tempinho ficou calado à espreita procurando de onde vinha tal vozinha, já que não conseguia ver nada, nem ninguém. Só quando apertou seus grandes olhos e firmou o olhar viu, quase que embaixo de uma pedra, um pequeno bichinho se mexendo a chamar por ele.
Meio assustado, meio temeroso, depois de um momento ou dois conseguiu perguntar a ele porque, afinal de contas, o chamava. A voz continuava em tom baixo, com uma fala bem mansa e tão amigável que o sapo não viu nem de longe qualquer ameaça. Seu pedido era quase uma súplica que deixaria qualquer um sem graça, sem jeito de deixar aquela voz bradando solitária.
Talvez tenha sido nesta mesma e exata hora que a chuva forte recomeçou e isso mexeu com a natureza amigável desse sapo que, já prestes a pular de pedra em pedra e assim atravessar o caudaloso rio para um abrigo mais razoável do outro lado da correnteza, decidiu procurar pelo dono daquela voz já tão enfraquecida. E foi assim que aconteceu... o sapo deixou sua pedra, voltou para a margem e procurou até encontrar o dono daquela voz.
Foi assim que ele perguntou: “Quem, afinal, chama por mim? O que quer de mim? Onde você que me chama está? Apareça para que possamos conversar”. A natureza amistosa do sapo, como podemos perceber, nem de longe poderia imaginar que o levaria a um enrosco de difícil solução ou, quem sabe, até mesmo sem ela.
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Assim, com esta chamada firme do sapo, o bichinho resolveu apresentar-se: “Sou eu que estou chamando por você”. E então apareceu o dono da voz, saindo debaixo da pedrinha, um pequeno escorpião, e, diga-se de passagem, a figura nem era tão enfraquecida assim quanto a voz podia transmitir e fazer todos pensarem.
Até mesmo a natureza dócil e amigável do sapo espantou-se ao ver o temido escorpião. Em seu assombro, o sapo rapidamente deu um pulo para cima de uma pedra que estava ao seu alcance. “Nossa, você, um escorpião? Tão perigoso, tão mortal...o quer de mim?”.
“Ah... é muito simples”, disse o escorpião. Como é de sua natureza, foi direto e franco: “Você pode me levar para a outra margem em suas costas”. Toda essa franqueza assustou o sapo, que, mais uma vez, deu pulo para uma pedra mais distante. “Não... por favor, não me tema, só quero uma carona até o outro lado, mais nada. Não posso ficar deste lado e nem posso ir para lá sozinho. O certo é que aqui não poderei continuar, o rio já está transbordando e, na certa, se ficar, morrerei. Você, por outro lado, sabe como atravessar esse rio que está tão cheio e caudaloso e por isso estou chamando, para que você simplesmente possa me colocar nas costas e me levar junto quando for para lá, o que acha de me dar uma carona?”.
Com toda calma e bondade característica na fala, o sapo explicou ao perverso escorpião sobre a sua periculosidade e que não estava a fim de correr nenhum risco a mais que apenas atravessar aquelas frias e velozes águas do rio. E assim, falando, foi virando-se e aprumando-se para saltar até a próxima pedra. Foi quando o escorpião, com toda sua sagacidade e diligência, o impediu dizendo rapidamente: “Espere um pouco, você acha mesmo que lhe faria algum mal se me fizesse este pequeno favor? Por que faria mal a você, em troca de me fazer um ‘favorzão’ destes? Tipo salvar a minha vida!”.
“Fique tranquilo, eu sei disso, eu entendi, mas mesmo assim você é um escorpião e é muito perigoso para todos. E eu? Ah... e só sou um sapo, não pico ninguém e nem sou do tipo que coloco veneno em nada. Você sabe disso; é o que nos faz tão diferentes”. Desta forma, o sapo foi novamente se preparando para ir para a próxima pedra. Foi quando ouviu a voz do escorpião de forma bastante clara: “Mas não posso acreditar que você pensa isso de mim e justo numa situação destas. Pense bem, se eu te fizer alguma coisa durante a nossa travessia desse rio, eu também acabaria com sérios problemas, não é mesmo? Pense bem antes de ir embora e me deixar para trás para certamente morrer; sem a menor chance de escapar, com toda essa água que está caindo, e com este rio enchendo tão rapidamente. Estou só lhe pedindo que acredite no que estou falando, na proposta que estou fazendo, não te causarei mal algum já que está fazendo a travessia comigo em suas costas; afinal seria uma loucura machucar ou matar você no meio do rio comigo em suas costas”.
Foi com essa conversa lógica e com o tempo se esgotando que o escorpião acabou convencendo o sapo a pensar por mais um ou dois minutos antes que as coisas piorassem e que ninguém pudesse mais atravessar o rio, até mesmo o sapo.
Da forma amigável de sempre, o sapo rapidamente deu o caso ‘como pensado’ e disse ao escorpião, com todo cuidado e respeito, para que subisse em suas costas para que pudessem ir logo e atravessar as águas volumosas do rio.
O escorpião subiu e ajeitou-se bem na costa larga e amiga do sapo e, então, partiram rumo ao outro lado do rio. Foram pulando de pedra em pedra vencendo as águas de chuva e lutando contra a correnteza veloz. Lá pelo meio do rio, quando as águas ainda estavam revoltas, o sapo sente uma picada bem em seu lombo, o susto foi enorme, quando percebeu o que acabará de ocorrer. Boquiaberto, só conseguiu perguntar ao seu carona: “Você sabe o que você fez?”. E o escorpião responde: “Sim, eu sei”. “Mas por que fez isso? Eu aceito te dar uma carona para que você não morra afogado, e agora você me dá uma picada e nós dois vamos morrer, por que fez isso, afinal? A resposta veio de pronto e foi mais um choque para o sapo quando o escorpião lhe diz com simplicidade: “Mas é esta a minha natureza”.
O sapo mal podia acreditar no que estava acontecendo com ele, afinal havia vencido seu medo do terrível escorpião e confiado em sua natureza bondosa e amigável para ajudar a salvar sua vida, e agora ainda tentava entender enquanto morria como ajudar alguém podia lhe causar a morte.
Certas coisas na nossa vida são exatamente assim, nada garante que atitudes amigáveis e bondosas mudem o caráter de outras pessoas, pelo simples fato de que cada um é o que é; e o que somos, ou como agimos, ou como interagimos socialmente não muda os demais. A possibilidade de mudança só pode ser “feita” pela própria pessoa; afinal só cada qual pode mudar-se, ninguém mais!
Só não se pode esquecer o outro lado dessa fábula, dobrar os cuidados com pessoas de índole ou natureza duvidosa, para não sermos traídos ou enganados como na lenda. E mais um lembrete aos que fazem o tipo escorpião: um dia podem acabar provando de seu próprio veneno!
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