Contos de fadas e sonhos, por incrível que pareça possuem uma natureza um tanto similar. Para compreendermos essa natureza é importante analisar separadamente o que são sonhos e contos de fadas sob a ótica da Psicologia Analítica.
Sonhos são manifestações do inconsciente pessoal do sonhador. Sua linguagem é simbólica e por isso sua interpretação não é fácil para a consciência acostumada com uma linguagem cartesiana.
Freud foi o grande precursor dos estudos sobre sonhos com sua obra pioneira “A interpretação dos sonhos”. Para o pai da psicanálise os sonhos são manifestações simbólicas da realização de desejos recalcados. Seria uma forma de realizarmos nossos desejos mesmo que de forma inconsciente.
Essas realizações aparecem nos sonhos de formas disfarçadas, devido às censuras do ego.
Com Carl Jung, os sonhos adquiriram novas funções e passaram a não se limitar apenas a conteúdos recalcados pela consciência. Para ele além de importante fonte de informação, os sonhos são um instrumento altamente educativo, pois transmitem de forma espontânea e simbólica a situação atual do inconsciente (Jung, 2009).
Os sonhos, então, se referem a uma determinada atitude da consciência do sonhador e a uma situação psíquica particular, sendo que suas raízes mergulham profundamente no subsolo obscuro e dificilmente conhecível de onde emergem os fenômenos da consciência, o qual se denomina inconsciente (Jung, 2009).
Além disso, para Jung, o sonho é o que é, sem disfarces. Não é uma fachada, e por ele podemos penetrar no que há de mais profundo, mais geral, mais verdadeiro, mais duradouro, do ser humano.
Carl Jung observou que os sonhos muitas vezes se opõem as intenções da consciência, às vezes introduz apenas pequenas modificações e, às vezes, pode até coincidir com o conteúdo e as intenções da consciência. A essa atividade dos sonhos Jung chamou de compensação. Ou seja, o sonho tem como função a autorregulação de uma atitude consciente unilateral.
Os sonhos também podem ter uma função prospectiva, antecipando uma futura realização da consciência. Isso mostra que os sonhos têm uma função de indicar o caminho para a consciência.
O simbolismo dos sonhos também possui uma função pedagógica, a de ensinar a consciência, por meio de símbolos.
Ele é, portanto, uma força orientadora do ego, que muitas vezes pode negar, confirmar ou modificar uma atitude consciente.
Com relação a natureza dos contos de fadas, Marie Louise Von Franz, discípula de Jung e um dos maiores nomes no estudo dos contos de fadas, os contos são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo (Von Franz, 2005).
Para ela nos contos existe um material muito menos especifico do que em comparação aos mitos e as lendas, uma vez que esses estão intimamente ligados a nação ou povo a que pertencem, inclusive podendo decair com ela.
Entretanto os temas básicos podem sobreviver como temas de contos de fadas, migrando ou então permanecendo no mesmo país.
Von Franz (2005) diz:“Para mim os contos de fada são como o mar, e as sagas e os mitos são como ondas desse mar; um conto surge como um mito, e depois afunda novamente para ser um conto de fada. Aqui novamente chegamos à mesma conclusão: os contos de fada espelham a estrutura mais simples, mas também a mais básica — o esqueleto — da psique”.
É possível então, enxergarmos uma diferença entre os sonhos e os contos de fadas. Apesar de ambos tratarem de processos psíquicos inconscientes e se apresentarem de forma simbólica, os sonhos tratam de um material mais pessoal enquanto que o sonho trata de processos psíquicos mais gerais e mais comuns a todos os seres humanos.
Contudo, se analisarmos a fundo os sonhos podemos chegar a um substrato deles que se liga aos arquétipos e ao inconsciente coletivo. Ou seja, todas as nossas emoções e experiências, apesar de terem uma tonalidade pessoal, possuem uma parte que é comum a humanidade, por exemplo: o ato de se apaixonar, sentir raiva, buscar o sentido a vida, etc.
Muitas vezes pode acontecer de um sonho conter imagens que o paciente não consegue relacionar com nenhuma das suas experiências ou lembranças. Nesses casos a Mitologia e os contos de fadas podem fornecer imagens arquetípicas antiquíssimas que auxiliam a compreensão da mensagem.
No trabalho psicoterápico, as imagens dos contos de fadas podem auxiliar a ilustração de situações de vida, pelas quais as pessoas passam. Muitos se identificam com determinada situação ou personagem levando a uma compreensão do que pode ser feito no momento.
Mediante o fato dos sonhos poderem ser auxiliados e comparados com os contos de fadas nos mostra que os contos parecem de fato exercer, no âmbito coletivo, uma função semelhante a dos sonhos para o indivíduo: eles confirmam, curam, compensam, contrabalançam e criticam a atitude coletiva predominante, assim como os sonhos curam, compensam, confirmam, criticam ou completam a atitude consciente de um individuo (Von Franz, 1984).
Contos de fadas, portanto, podem trazer o mundo dos arquétipos para o nosso dia a dia. E isso traz um sentido maior as nossas vidas! Uma vez que eles nos mostram como viver o nosso destino.
Eles nos ensinam que podemos passar por momentos felizes, de conflitos, de perdas e de sofrimento, mas se nos dispusermos ao aprendizado que esses momentos proporcionam, iremos encontrar o tesouro interno. Aquele que enriquecerá as nossas vidas com sentido e significado.
Esses sonhos coletivos então nos mostram que muitas pessoas já passaram pelos mesmos desafios e conseguiram vencer. E que de certa forma não estamos sozinhos nessa jornada árdua que é a vida.
Referências bibliográficas:
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
VON FRANZ, M. L. A individuação dos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 1984.
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