Por que fazer terapia não é reclamar do passado?

Muitos pacientes me falam isto durante nossa conversa: “Parece que estou remoendo o passado". Mas, na verdade, não estão. Fazer terapia é algo muito mais complexo e difícil do que simplesmente reclamar das coisas que aconteceram com você. Se você achava que era somente isso, então leia este texto e entenda por que fazer terapia não é isso, e o que realmente você faz quando fala sobre seu passado.

Remoer.

Remoer o passado seria você pensar sobre isso, mas não fazer nada a respeito. E, na terapia, não é isso o que acontece. Remoer é quando a lembrança de algo que nos fez sofrer vem, e evitamos pensar sobre aquilo, pois é algo muito angustiante.
Remoer e reclamar é quando não pensamos direito no que aconteceu, apenas sabemos que isso nos angustia, e que é melhor nem falar nem pensar sobre isso.

Elaborar.

Freud, no texto “Repetir, recordar e elaborar” coloca isso de maneira muito clara: quando não elaboramos algo, acabamos por repetir. É o caso de uma pessoa que sempre acaba tendo relações parecidas com pessoas diferentes. É o mesmo caso da pessoa que diz que sempre o tratam da mesma maneira, ou daquele que fala que todos sempre tiram proveito dele.

Mulher conversando com a terapeuta

Recordar é também a parte de reclamar. Recordamos, mas decidimos não querer lembrar. Desejamos que aquele acontecimento nunca tivesse acontecido, que tal pessoa nunca tivesse existido ou que nunca tivesse feito aquilo para nós...

Porém, durante a terapia você irá, sim, falar sobre seu passado, mas irá elaborar. Irá refletir sobre aquilo que aconteceu e, também, retomar as coisas que sentiu. Então, quando retomar essas emoções que lhe causam repulsa, também irá deixar tudo mais claro. Colocará em palavras a dor — e não apenas no pensamento e no peito.

Trazer à tona a dor é deixá-la clara e elaborá-la, dando-lhe um novo sentido, para entender o que realmente aconteceu. Se não negamos a dor e a enfrentamos, damos uma nova cor àquela lembrança cinza que temos de um acontecimento traumático.

Temos de nos dar a oportunidade de falar sobre aquilo que faz doer nosso coração, pois somente entendendo como realmente nos sentimos sobre o que aconteceu é que podemos ressignificar o ocorrido — e aí, sim, poderemos superar a situação que nos traz a dor. De outra forma, se negamos a possibilidade de falar sobre o que nos traz desconforto, estaremos sempre à mercê da lembrança, remoendo esses sentimentos pesados em nosso coração.

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Repetiremos os erros e ficaremos sem entender o que nos move para o sofrimento.

Para mudar esse cenário, é necessário ter coragem: coragem para enfrentar nossas feridas, para falar sobre nosso sofrer e sobre como nos sentimos sobre isso. Tomar contato com esses problemas não é algo fácil! Precisamos desenvolver resiliência, coragem e desejo de não viver mais no sofrimento.

Porém, verdade seja dita: a pessoa só procura a terapia quando a dor de falar sobre o problema é menor que a dor de sentir, todos os dias, esse sentimento corroendo o coração. A terapia é muito mais do que remoer problemas; a terapia é elaborar profundamente.

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