Há meses venho questionando algumas coisas na minha vida profissional. Não por não amar o que eu faço, mas pelas pequenas e grandes decepções do caminho. Quando escolhemos uma profissão, sempre pensamos que tudo vai só depender do nosso esforço, que é só ter o foco certo. Esquecemos que existem outros fatores, que vão desde a cultura até a crise econômica, que podem mexer com algo que é tão valioso para nós, a escolha da nossa vida.
Atendi muita gente bacana ao longo dos anos. Recebi muitos feedbacks positivos, mas também tive problemas. Pessoas que me culparam por problemas pessoais, pessoas que duvidaram da minha capacidade e, o pior de tudo, que nunca realmente valorizaram o que eu faço. Pessoas que acharam que seria melhor curar uma depressão com uma "boa viagem" e não gastando dinheiro com terapia. Pessoas que tiraram o filho da terapia para bancar as próprias extravagâncias financeiras e até um caso de tentativa de "cura gay" de um menino de nove anos. Telefonemas de madrugada, pessoas paradas na minha porta de manhã, ameaças. Não, nem tudo são flores na vida da terapeuta.
Isso foi me desgastando aos poucos. Cada vez que algo acontece, um terapeuta deve sair da questão, se ausentar emocionalmente. Deve entender que é o processo da pessoa e que, no fundo, sabemos que não temos nada com aquilo. Mas lidamos com seres humanos, lidamos com questões profundas e temos nossa imensa gama de tragédia pessoal para lidar também. Também temos problemas, o tempo todo, e apesar dos meus longos anos de terapia e supervisões, achei que precisava parar.
Talvez tenha sucumbido ao sistema ou só estivesse cansada demais. Algumas profissões, como a minha, exigem descanso. Mas a vida nem sempre concilia as agendas, ainda mais numa profissão ainda pouco valorizada para a maioria, e que tem tanta concorrência. Não pelos psicólogos que se formam, mas por pessoas — de terapeutas com curso de fim de semana ao padre da igreja — que acreditam fazer a mesma função. E quando você conversa com um "amigo”, você não é o louco que faz terapia. Quando você consulta um oráculo, você muitas vezes, só precisa falar dos seus problemas.
A profissão de terapeuta e psicólogo ainda é associada a um estado irreal de loucura. Cansei de ouvir a frase "eu sou meio psicóloga também" de advogados, atendentes de loja e manicures. Não é porque você "escuta" alguém, que você é psicóloga, aliás isso está bem longe da verdade!
Psicologia ou terapia é se conhecer e aprender a se amar, não tem nada a ver com diagnósticos. Aliás, a chance de você não ter um diagnóstico é infinitamente maior do que ter (sim, neuróticos somos todos, segundo Freud). Psicologia é conhecer a si mesmo para não ser devorado pela esfinge dos seus problemas. E sim, você tem problemas na vida. Mesmo se for um ermitão no Tibet.
Então, falo como terapeuta e como pessoa, vamos aprender a respeitar estes profissionais que, como eu, só estão querendo ajudar. E que estudam, muitíssimo, de anatomia à filosofia, para fazer o que dizem. Ninguém vai ao terapeuta para "bater um papo" ou "ser aconselhado". Você vai porque sente que precisa saber quem diabos você é e os caminhos para alcançar aquilo que você sonha e a sua paz de espírito. E sim, eu preciso fazer as pazes com isso (ando fazendo as pazes com muitas coisas) e retomar a chama da paixão que foi acesa em 2000, talvez chamá-la para um jantar romântico, ou qualquer coisa assim.
Eu ainda amo o que faço. E não são as decepções que vão me fazer parar. Não vou abandonar o que eu sou, só porque não é suficientemente glamouroso ou ainda não reconhecido. É uma luta diária, uma tarefa árdua, matar um leão por dia é pouco! A psicologia é um amor para vida toda e espero, do fundo da minha alma, usar para muitas pessoas.
Não vou trazer seu amado de volta em três dias úteis para a Grande São Paulo. Mas vou fazer você achar esse amor todo aí dentro. É essa a minha briga!
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