A Bela e a Fera. Dê espaço para sua autonomia

A Bela e a Fera é um tradicional conto de fadas francês. Originalmente escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, A Dama de Villeneuve, em 1740, tornou-se mais conhecido em sua versão de 1756, por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, que resumiu e modificou a obra de Villeneuve.

A versão original de Villeneuve inclui alguns elementos omitidos por Beaumont, como o fato da Fera ter sido um príncipe que ainda jovem perdeu o pai. Sua mãe partiu para uma guerra em defesa do reino e o deixou aos cuidados de uma fada malvada, que tentou seduzi-lo enquanto ele crescia; quando ele recusou, ela o transformou em Fera.
 
No conto, temos o pai que entrega a filha para um monstro e também, temos a menina que não tem mãe. Podemos supor então, que se trata de um embate com o lado “masculino da mulher”, pois este se desenvolve na mulher a partir da experiência com o pai.

E o fato de não ter mãe, mostra uma fraqueza e incerteza sobre a feminilidade da heroína, o que a deixa suscetível a dominação pelo animus.

No amadurecimento do amor feminino há o encontro com o animus, mas também com o feminino por trás do animus, aqui representado pela sogra.

No conto esse embate é mais sutil, e se encontra no original na figura da bruxa que tenta seduzir o rapaz e sendo malsucedida o transforma em Fera. Aqui há um caráter regressivo do animus, que está preso à mãe.

Isso denota que essa simbiose com a mãe é destrutiva e animalesca, pois transforma o homem em menino mimado e intragável. Outro símbolo da mãe e do feminino por trás do homem está na roseira, que a Fera tanto preza.

A rosa está associada justamente à Afrodite e indica a união dos opostos. Ou seja, o amor, é um grande aliado no processo de individuação, pois é a partir do roubo da rosa que ocorre a transformação de Bela e da consciência coletiva. 

E uma das atividades do animus negativo é furtar, pois ele precisa tomar a vida onde ele se encontra, matando todo o aspecto feminino da vida. Ao conviver com a Fera, Bela percebe que ele é sensível e realizava todas as suas vontades a despeito de sua aparência. Ela se afeiçoa a ele, que a pede em casamento várias vezes, sendo recusado em todas elas. Mas ela passa a enxergar o masculino de forma menos hostil.

O homem no conto, ou é um ladrão como o pai e furta a feminilidade a matando, ou é uma fera assustadora. E com o pedido de casamento ela terá de enfrentar essa projeção de hostilidade em relação ao masculino, por isso Bela reluta em aceitar.

Mesmo a contragosto a Fera permite que Bela visite sua família, da qual ela sente saudades. Esse retorno ao lar de Bela pode representar uma regressão do ego ao inconsciente original, a mãe.

Nessa regressão, Bela confronta projeções reprimidas e sombrias inconscientes, representadas pelas irmãs. As irmãs de Bela representam atitudes matriarcais sombrias onde o homem é visto como hostil e violador, e a mulher como esposa e vítima do monstro. A despeito da inveja que elas sentem de Bela, elas trazem um desenvolvimento para a personalidade dela e um amadurecimento muito grande.

Mesmo sendo bem tratada, Bela vive então em um estado de servidão inconsciente e é justamente contra isso que a consciência feminina deve protestar. Ela entra em conflito contra a Fera, fica em duvida se volta ou não, pois a hostilidade e protesto das irmãs correspondem exatamente ao que se passa no interior da própria Bela. Contudo, é através dessa sombra feminina que Bela alcança autonomia em seu relacionamento, quebrando a simbiose com seu animus.

E ao quebrar a sua simbiose e identificação, a heroína sente falta do homem, e sincronicamente a Fera morre. Os aspectos de animal, hostil e assustador se vão e ela pode ver realmente quem é seu marido, e seu lado humano pode se manifestar.

Esse conto então nos fala que a mulher, em termos coletivos, deve passar pela experiência de ficar presa ao seu animus fera (ou demônio), pois somente essa experiência o transforma em positivo.

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