Pocahontas foi uma personagem real. Ela era uma índia que se casou com o inglês John Rolfe, tornando-se uma celebridade ao fim de sua vida.
Von Franz (2005) aponta que é comum que nas lendas e nas sagas locais o herói da história seja o próprio ser humano. Ou seja, nas sagas locais o herói é um ser humano cujos sentimentos e reações são relatados. Dessa forma Pocahontas é uma história real que se transformou em lenda e posteriormente em conto de fadas moderno.
Na animação da Disney de 1995, um navio de colonos britânicos da Companhia da Virgínia embarca para o "Novo Mundo", em 1607. A bordo do navio estão Capitão John Smith e o líder governador Ratcliffe, que acredita que os nativos americanos estão escondendo uma vasta coleção de ouro e por isso procura ganhar esse ouro por conta própria.
Na tribo local no Novo Mundo, conhecemos Pocahontas, a filha do chefe Powhatan. O pai da heroína discute a possibilidade de ela se casar com Kocoum, um bravo guerreiro que ela vê como muito "sério" em comparação com sua personalidade jovial e espirituosa.
Pocahontas, diferentemente das heroínas clássicas dos contos de fadas, aparece, logo no início do filme questionando o sentido da sua vida e qual o caminho que deve seguir: o casamento arranjado ou a espera pelo verdadeiro amor.
É importante assinalar que o amor é um importante catalisador do processo de individuação. E o conflito vivido por Pocahontas tem como pano de fundo a dúvida entre seguir as tradições dos pais e da sociedade ou seguir os anseios da alma.
A moça juntamente com seus amigos, o glutão Meeko e o beija-flor Flit, visitam o espírito ancestral da Vovó Willow, que habita um salgueiro, para tentar compreender um sonho recorrente. E o espírito ancestral a aconselha a ouvir os espíritos, o seja, a ouvir o que o inconsciente está lhe dizendo.
A árvore é um símbolo que abriga em si os princípios masculinos e femininos. Ela simboliza o ser humano e o processo de individuação, ou seja, é o símbolo do crescimento psicológico que não pode ser detido. Se for detido será a um alto custo, como a neurose e até uma psicose.
Ela tem um formato fálico, mas também possui em si a seiva da vida, simbolizando a junção masculino e feminino. E vovó Willow como espírito ancestral simboliza o aspecto do inconsciente coletivo e nos une, pois todos os nossos dilemas e conflitos já foram vividos por outros seres humanos.
O navio britânico chega ao novo mundo trazendo o inglês John Smith. O rapaz e Pocahontas se encontram acendendo entre eles uma paixão incontrolável. Mas a despeito dessa paixão o mundo deles é muito diferente. Pocahontas é uma mulher ligada à natureza e John ligado a civilização e a exploração da natureza em busca de ouro e pedras preciosas.
Na psicologia analítica de Carl Jung, a ligação amorosa nos impulsiona a união com o outro externo e interno. Apaixonamo-nos e convivemos com esse outro que possui características complementares a nossa personalidade, mas que se encontra dentro de nós esperando uma expressão no mundo externo. É uma união com nossa essência mais profunda.
E Pocahontas anseia por esse encontro com sua personalidade mais profunda. No filme observamos o desenvolvimento daquilo que Jung denominou arquétipo da conjunção. E esse arquétipo se refere à união e a separação das polaridades oposta.
Na união há o desejo e a busca incessante daquilo que mais se quer. No filme Pocahontas deseja ardentemente um amor que a leve a transcendência, que a leve a um caminho diferente do habitual e que expanda seus horizontes.
E John Smith lhe mostra um novo mundo, uma perspectiva diferente da sua. Ele viajou e conheceu novos mundos sem se apegar a nada. E ele traz a ela um pouco desses mundos que ele conheceu.
O mesmo ocorre com o inglês. Pocahontas traz a ele uma dimensão de sentimento que não havia antes em sua personalidade. Uma sensibilidade que o leva a observar e a valorizar a natureza, assim como também uma forte necessidade de estabelecer um laço afetivo com ela, a ponto de querer desistir de voltar para sua terra e ficar vivendo na tribo.
Na separação há a necessidade de deixar aquilo que passou, para que possa haver um novo aprendizado.
O amor, então, alterna a união e a separação como etapas para o desenvolvimento e transformação da personalidade.
Ao mesmo tempo em que o amor conflituoso dos dois acontece se inicia uma hostilidade e uma iminente guerra entre os índios e os britânicos, que culmina com a morte do pretendente de Pocahontas, o guerreiro Kocoum.
Essa morte pode ser interpretada de forma simbólica, mostrando que agora Pocahontas pode se libertar do peso da obrigação de seguir as tradições da tribo e de seus ancestrais e assim poder seguir um caminho que sua alma lhe indicar.
Além disso, essa guerra e hostilidade, entre os dois povos, mostra a dificuldade do conflito experimentado por Pocahontas. Ela tem certeza que quer ficar com John Smith, mas um evento onde ele é baleado faz com que ele tenha que voltar a sua terra para não morrer. E dessa forma Pocahontas deve escolher se segue com seu amor, ou se fica com sua tribo, uma vez que ela será a líder quando seu pai vier a falecer.
Importante notar que Pocahontas não tem mãe, mas carrega consigo um colar que pertenceu a ela.
Carregar algo que substitui a boa mãe, é um tema bastante comum em contos de fadas. Em a Bela Wasilisa, a heroína carrega consigo uma boneca que a auxilia em momentos difíceis. Em Cinderela vimos que após a morte de sua mãe uma árvore que cresceu no túmulo da mãe e que também a auxilia.
A morte da mãe nos contos de fadas significa que a menina toma consciência que não deve mais se identificar com ela ainda que a relação seja positiva. É o inicio do processo de individuação. O artefato que a substitui simboliza a mais profunda essência da figura materna.
Pocahontas percebe então, que esse amor profundo não sobreviveria, pois há um abismo na realidade de ambos. Esse amor só poderá permanecer vivo na separação. Uma contradição necessária. O estar junto, separados.
Ao se deparar com esse dilema, ela faz um sacrifício. Extremamente necessário para permitir a busca de algo que está mais além e mostrar o que vem mais adiante, mais lá na frente.
Com isso ela valoriza a sua terra, a sua tribo e também o amor que ela desenvolveu por John Smith. Ela não nega, nem reprime o que sente, apenas enfrenta a situação.
Por essa razão Pocahontas é um conto de fadas diferente do padrão. Aqui há uma heroína mais humana, e mais amadurecida. Ela compreende o abismo que há entre os dois e que precisa continuar sua jornada aceitando a sua natureza e o que a vida lhe trouxe como missão.
E foi justamente a vivencia desse amor que a fez enxergar tudo isso.
Portanto Pocahontas é o símbolo da mulher que entrou e iniciou seu processo de individuação. Processo esse de se tornar ela mesma.
Referências bibliográficas:
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005
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