Hela (Hel ou Hell) é a deusa nórdica do reino dos mortos e do além (Niflhel). O seu nome foi usado pelos missionários cristãos como símbolo do inferno. Ela é filha de Loki com a giganta Angrboda, irmã mais nova do lobo Fenrir (lobo que matou Odin) e da serpente Jörmungandr (que vive no oceano que circunda Midgard).
O seu nome significa “aquela que esconde ou cobre”. E o seu reino era formado por nove círculos, para onde iam aqueles que morriam de doenças ou velhice. Os que morriam em batalha iam para Asgard, levados pelas Valquírias, e as suas almas ficavam metade com Odin e metade com Freyja.
Era representada como uma mulher linda na metade de seu corpo e com um corpo em decomposição, negro, na outra metade. Devido ao seu aspecto, Odin a baniu para o mundo de Niflheim (mundo das névoas), que fica às margens do Rio Nastronol, que equivale ao Rio Aqueronte da mitologia grega.
O seu palácio se chama Elvidner (miséria), com uma ponte por cima de um precipício, uma porta imensa, paredes altas e uma soleira chamada “ruína”. Os portões são guardados pelo cão de guarda chamado Garm e é ela quem decide o destino de cada alma após a morte. As almas ruins iam para o reino gelado, de tortura eterna. Mas ao contrário do conceito judaico-cristão sobre ela, o seu reino também servia para amparo e encontro das almas prestes a reencarnar.
Hell era condescendente e pacífica com aqueles que morreram devido à velhice e doença, principalmente com as crianças e as mulheres que morreram no parto. Uma deusa imparcial, mas que foi demonizada ao longo dos séculos. Os povos matriarcais cultuavam Hell como o aspecto da morte presente na grande Mãe. Sendo ela o portal da vida (reencarnação) e da morte. Conforme Faur (2007):
“Considerada a personificação do poder protetor das montanhas, contra as geleiras e as enchentes. Acreditando-se ‘filhos da deusa Hell’, eles acreditavam na existência de um ‘outro mundo’ dentro das montanhas, para onde iriam, após a morte, aguardar o renascimento, recebendo amor, cura, comida e calor. As palavras suecas helig e Hell significam ‘sagrado’ e ‘pleno’ e descrevem atributos da deusa Hell, mas distorcidas pelos monges cristãos, passaram a ser sinônimo de ‘inferno’ na teologia cristã (hell), a despeito dos inúmeros nomes de pessoas e lugares que têm esse prefixo.”.
Ela se alimenta de um prato chamado “fome”, usando um garfo chamado “penúria”, servida pelos seus servos “Senilidade” e “Decrepitude”. O caminho que leva à morada de Hell se chamava “provação” e passava pela “Floresta de Ferro”, com árvores metálicas, cujas folhas cortavam como punhais.
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Hell tem um pássaro vermelho escuro que anunciará o início do Ragnarök. Nessa guerra, a deusa auxiliará seu pai, Loki, a destruir os deuses Æsir e morrerá na guerra junto com as deusas Bil e Sol. Quando visitava o reino dos humanos (Midgard), a deusa cavalgava em uma égua de três patas e espalhava fome, miséria e doenças.
Hell representa o mundo ctônico, cujo xamã podia acessar pelo transe profundo ou com o uso de substâncias alucinógenas. Ou seja, o reino de Hell não é o da realidade comum, mas do inconsciente e das imagens simbólicas. A representação de Hell mostra aspectos das antigas divindades da fertilidade. A morte precisa fazer parte da vida para que algo novo nasça. Por isso, a dualidade na figura de Hell. Ela simboliza a Mãe terrível, o lado sombrio da Grande Mãe. Ela é o túmulo aterrorizante, mas também – como mãe Terra – o útero de onde nasce a vida, pois acolhe, protege e nutre as sementes (almas) antes de nascer.
No Ragnarök, ela resguarda e protege a alma de Baldur, que renascerá para reconstruir e governar o novo mundo.
Como imagem arquetípica, ela pode ser associada a Coré/Perséfone. A sua face dual apresenta esses dois aspectos. A face bela e jovem da virginal Coré e a face da morte da rainha Perséfone. Ela também é a Lua Negra, a devoradora, o lado sombrio e ameaçador do inconsciente. Nela, encontramos os nossos medos, pavores, traumas e o lado sombrio do complexo materno, com o qual todos temos que nos defrontar. Porém é um lugar onde existe um enorme potencial de vida nova. É o local onde se pode repousar para o novo despertar.
Ela representa o ventre da baleia na jornada do herói. Nas diversas mitologias, encontramos heróis que precisam descer até o mundo dos mortos, como Hércules, Psiquê e Orfeu. E é nesse momento que o herói se vê diante da própria morte e dá a impressão de que morreu. Conforme Campbell (1997), a entrada no mundo dos mortos é uma forma de autoaniquilação. O herói vai para dentro, para nascer de novo. Essa é a ideia da iniciação, passamos por várias mortes para que o ego possa alcançar outros níveis de consciência.
Para chegar ao reino Niflhel, é necessário atravessar uma ponte larga pavimentada com cristais dourados sobre o rio congelado Gjöll e pedir permissão para Mordgud para entrar. A guardiã Mordgud era uma mulher alta, magra e extremamente pálida, que questionava aqueles que queriam entrar no reino de Hell sobre a sua motivação, se caso fossem vivos, e sobre o seu merecimento, se fossem mortos, pedindo também algum tipo de presente (geralmente as moedas de ouro que eram deixadas nos túmulos junto dos mortos). O que remete a Caronte, o barqueiro que levava os mortos ao mundo de Hades e exigia moedas de ouro. O cão Garm lembra muito o cão Cérbero, que guardava a entrada do reino de Hades.
Os mortos eram recebidos e cuidados por Hell, com paciência, compaixão e carinho à espera da sua regeneração. Ela era cruel com os criminosos, esses eram exilados no verdadeiro inferno e obrigados a perambular em rios gelados e com vapores tóxicos ou ficar em grutas povoadas de serpentes.
Para finalizar, a deusa Hell era a receptora e guardiã dos segredos do além da vida. Ela destrói os medos e nos lembra a impermanência da vida, com os seus ciclos de vida e morte. O que inclui os deuses, que não eram imunes à morte.
Na Mitologia Nórdica, até os deuses passam por renovação. Todos morreram no Ragnarök e foram substituídos por seus filhos. Lembrando que tudo precisa se destruir, morrer, ser acolhido no ventre e germinar para a nova vida. E Hell nos lembra desse momento de morte, agonia e espera.
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