Confesso: eu assistia Fantasia (aquele programa do SBT) e sim, até tentei ligar num dia de depressão qualquer. A culpa não é minha, as pessoas ganhavam dinheiro só respondendo umas perguntas idiotas e eu estava numa situação financeira periclitante e mais um monte de desculpas que eu poderia arrumar. Lembro do cenário: uma praia. Oi? Nunca vi uma praia tão mal feita, mas tudo bem. Mas eu sou mulher, e a verdadeira razão deles colocarem um monte de gatinhas não eram os joguinhos, mas sim a audiência. Masculina. Até que dava certo.
Estou contando isso porque ontem me aconteceu uma coisa engraçada. Estava eu na livraria do espaço onde eu faço um curso e tinha acabado de pegar um dos cafezinhos-cortesia que eles dão por lá, toda feliz da vida. O frio em Sampa está de assustar, então um bom café quente não faria mal a ninguém. Parei num canto da livraria, um canto com um espaço (até bom) entre os livros, para poder ver um livro (olha que coincidência) e pousei o café em cima de um móvel. Eu tenho 35 anos, já aprendi que não é legal derrubar café no livro dos outros, ainda mais novinhos em folha. Então, coloquei o café num local seguro.
Mas este cantinho era meio na porta da livraria e eu fui parar lá justamente porque esperava a minha irmã, que iria entrar. Queria que ela visse que eu estava lá. Quando eu escuto um "Ei, querida, psiu". Olhei em direção ao balcão de atendimento, do outro lado quase e via figura da atendente me olhando (bem) torto. Ela soltou um "o café", como uma mãe diria para um filho levado "se você derrubar suco no sofá de novo eu te soco". Eu respondi "estou tomando", achando que a pessoa tinha achado que eu iria largar o café lá e ir embora (sei que tem pessoas que fazem isso, mas não eu). E me virei novamente, incrédula, com a bronquinha que eu tomei por uma coisa que eu nem ao menos fiz.
Depois passou, e eu fiquei pensando no que levaria uma pessoa a ter uma atitude destas. O que será que passou pela cabeça dela? No mínimo ela fez um monte de fantasias. Eu entendi que ela pensou que eu iria largar o copo de café pela metade em cima do balcão. A minha irmã, que presenciou a cena, entendeu que ela achou que eu poderia roubar o livro. Fazia sentido, porque eu estava bem na porta, quase na saída. Parei lá justamente pelos motivos acima e não, não tinha nem a menor ideia de largar o café lá, derrubar o café nos livros (ainda mais eu que amo livros) ou roubar qualquer coisa que fosse (e eu juro que o café é cortesia).
Ou seja, tudo isso, e até muito mais, passou pela cabeça da mulher só porque eu parei lá, três segundos, para colocar o café no móvel e conseguir folhear o livro que eu pretendia comprar. Já pensou em como nós fantasiamos na nossa vida? Como criamos situações que só acontecem dentro da nossa cabeça? A senhora da livraria deve ter sofrido muito, a ponto de me chamar a atenção. Na cabeça dela passaram milhões de coisas que ela precisava evitar, mesmo sem ser a minha intenção nenhuma daquelas coisas. Sim, um acidente com o café poderia acontecer, se eu não fosse cuidadosa ao extremo, e quem me conhece sabe que eu sou.
Mas ela simplesmente me prendeu, julgou e condenou em menos três segundos, por causa de um café e de um livro. Quanto sofrimento à toa! No final teve que aguentar o mau humor da minha irmã que foi tomar satisfações com ela, ficou ainda mais nervosa, e eu comprei o livro, paguei e não derrubei café em ninguém pelo caminho. Ou seja. Sofreu à toa!
Eu estou aqui escrevendo isso e pensando “bem-feito”. Não só porque quis dar uma de mamãe-má na frente de um monte de desconhecidos (a livraria estava cheia, porque o curso já iria começar) mas porque não sabe controlar as suas fantasias dentro da cabeça. Se ela tivesse só me observado, nada disso teria acontecido. Mas ela já elaborou um monte de porcarias atômicas lá dentro, então que pague o preço pelas fantasias. E eu, aprendi a controlar um pouco mais meus pensamentos. E a ter um pouco de sentimento de vingança de uma pessoa que vive ali dentro daquele corpo. Deve mesmo ser meio complicado, né?
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