De que me adianta, viver na cidade, se a felicidade não me acompanhar...
Estava eu andando hoje na loja Etna (para quem não conhece, é uma mega loja de decoração, com quilômetros e quilômetros de ambientes decorados e até apartamentos inteiros), vendo os produtos em liquidação e as coisas que, um dia, eu quero ter na minha casa. Era tudo tão lindo que eu mudava de opinião sobre a decoração da minha futura sala de estar a cada esquina que eu dobrava. Sofás, cortinas, mantas, camas, tudo tão fofo e aconchegante. Que delícia!
Percebi que eu passava reto pelos ambientes retos. Sabe reto? Não sei se vou me fazer entender, aquelas coisas muitos cheias de ângulos e frios. Ambientes frios, em tons de branco gelo ou preto fosco e brilhante. Passava porque não sentia, sei lá, uma coisa gostosa, fofinha. Parei e fiquei babando num ambiente mais simples: um grande sofá creme, confortável. Um banco com almofadas do tipo futon vermelhas e pufes fofos e macios espalhados pelo ambiente. A decoração ficava por conta de estátuas de Buda, Krishna e outros personagens da mitologia indiana. Parei. E me encontrei.
É interessante como o nosso espírito, simplesmente gosta. É engraçado o gostar de alguma coisa, ou de alguma pessoa. Às vezes aquela pessoa é até meio antipática com todo mundo, mas, não sei, tem uma coisa nela, boa, que eu gosto. Com os móveis foi assim. Eu entrei naquele ambiente, remetendo a coisas antigas, e me encontrei tão eu. Era um lugar para mim, tinha uma coisa de mim lá, mesmo que não tenha sido eu quem decorou. Pois é, este é o nosso espírito.
Eu moro no 11° andar de um bom prédio de apartamentos. Bom, moderno (está bem, o síndico deixou a desejar por anos e nem gerador tem no prédio) e alto. O sonho de consumo de algumas pessoas, talvez da maioria delas. Mas quando eu vejo uma casinha, destas pequenas e simples, com uma varandinha e um jardim, ai como eu gosto! Ai como eu queria morar numa casinha bem decorada, com almofadas fofas, com estátuas de deuses. Como eu queria a simplicidade de sair de casa e já estar com o pé na rua, de ir à padaria comprar pão.
Não sei, para mim o prédio de apartamentos me oprime. Afasta-me do chão, das pessoas, da terra. Sinto falta da terra sob meus pés. Eu não sou do ar, sou da terra. É dela que eu gosto e é dela que eu sinto falta. Uma falta imensa. Sinto falta da simplicidade da casa da minha avó, das plantas dela no quintal, da plantação imensa de morangos que ela mantinha com os restos de comida que adubavam a terra. Sinto falta do silencio de uma rua tranqüila, de uma vizinha mexeriquenta que bate para pedir o café. Daquelas pessoas que só batem em portas de casa, vendendo coisas, querendo nos converter a alguma religião, nunca de prédios. De não ter porteiro e câmeras, e sair de pijamas para pegar o jornal. De ir de chinelo velho pegar a pizza. Enfim, sinto falta de estar no chão.
Vendo aquelas casas decoradas, suntuosas, belas, tive um insight. Eu sou simplicidade! Sou chão, terra, vasos e plantas. Não a simplicidade da pobreza, da falta (isso não é simplicidade e está mais pra orgulho). Mas de poder ser mais simples, com tudo. Isso é do espírito. Ele é simples, amoral, sem frescuras. Os prédios altos, as escadas rolantes, os cartões de créditos são criações do ego. Claro que eles são úteis, mas aprisionam se não usados com sabedoria. Aprisionam num condomínio caríssimo, aprisionam na falta de exercícios físicos diários, aprisionam nas dívidas.
E eu, que sempre fui tão urbaninha, decidi ser mais terra. Estou voltando para a minha mãe. Terra. Chão. Descobri, dentro de uma loja de decorações a minha simplicidade, o meu elemento, a minha praia. Isso é espírito e isso é ser verdadeiramente espiritual.
E, como diria uma professora minha: Ser espiritual no Tibet é fácil, quero ver é ser assim na Praça da Sé.
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