Calçadas Riscadas

Ficávamos olhando nossos desenhos expostos na calçada da rua como se fossem obras de arte de uma galeria renomada. Eram traços felizes que retratavam gente qualquer e objetos que pertenciam à nossa história, criada em um lance de pureza, sem ostentação, nem vaidade. A trilha da “amarelinha”, quando ainda se deixava ver pela manhã do dia seguinte, era um troféu de ouro para nós e, quando voltávamos da escola, repassávamos, com o giz que sobrara do dia anterior, os riscos fracos e frágeis onde tantas pessoas haviam pisado e apagado. Ainda era um troféu, ter recebido do pai, ou da mãe, uma caixinha de giz, nosso instrumento de brincar. 

Quanta consideração!

Era como ter escrito um pouco da nossa história de participantes, mandantes e mandados. E, mesmo quando a chuva caía e apagava tudo, ficavam nossas risadas estridentes por todos os cantos da rua. E tínhamos a Dona Alice, uma senhora bem gorda e relaxada que ficava encostada no muro de sua própria casa durante o dia inteiro olhando o que fazíamos, mas era como nosso anjo da guarda se algum de nós caísse, brigássemos entre nós, ou alguém de outro grupo viesse nos provocar. Ela corria em nossa direção como testemunha do bem, para que nada desse errado conosco. Às vezes julgávamos invasão da nossa privacidade, mas era a ela quem recorríamos para reivindicar a prova dos nossos direitos que, aliás, eram sempre nossos. Afinal, só éramos crianças. Nada mais.

 

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